Nadar no Rio Amazonas, viver numa comunidade indígena e caminhar na selva amazónica são experiências que, estando mesmo “ali ao lado”, não podíamos perder. Voámos para Letícia, a única cidade da Amazónia na Colômbia, e a partir dali vivemos das experiências mais selvagens das nossas vidas até então: pescar piranhas, caminhar na selva à noite e um ou outro encontro com animais selvagens que nos tiraram o fôlego. Contamos-te neste artigo todas estas aventuras e como podes também visitar a Amazónia colombiana.
À pesca de piranhas na Amazónia colombiana
E de repente vejo-me a agarrar uma meia garrafa de plástico já velha e com ela a retirar a água que já me cobre os primeiros centímetros das galochas enlameadas. Com o nosso peso os buracos deste pequeno barco a remos vai metendo dentro a água turva de um lago que agora, ao cair da noite, me começa a parecer menos encantador e mais tenebroso.
Não é para menos: estamos no meio da selva amazónica, ao largo de um lago repleto de criaturas que só de pensar dá medo – piranhas, anacondas, caimões, fora as outras que permanecem desconhecidas.
Depois de uma meia hora repartida entre um barco a motor e uma pequena caminhada a desbravar selva, aqui chegámos, deslumbrados pela aparente calmaria que o lago e a paisagem envolvente logo transmitem. É como aquelas plantas para as quais o Joaquin logo nos advertiu na primeira entrada na selva: por cima lisas e inofensivas, por baixo espinhosas e perigosas.
Abeiramo-nos, canas em punho e iscos ao lago. É a nossa primeira vez a pescar e o Joaquin dá-nos dicas de quem isto é o dia-a-dia desde que nasceu, há 25 anos, na Comunidade Indígena 7 de Agosto, na Amazónia colombiana.
Os peixes que aqui tentamos sacar são aqueles nervosinhos, de dentes cerrados e que só me fazem lembrar do Tarzan em criança: piranhas! Temos de ser rápidos antes que elas nos mordam o isco e com ele fujam sem darmos conta.
Isco a isco vamos melhorando. “Piranha!” grito de entusiasmo com a minha primeira vitória na pesca. Grito uma, duas, três, quatro vezes, até que o entusiasmo da conquista vai baixando assim como o sol atrás das árvores. Depois de pescadas uma série delas e de termos o jantar assegurado, arrumámos as trouxas e voltámos ao barquinho, rumo ao segundo motivo que aqui nos trouxe neste fim de tarde: o avistamento de caimões.
O encontro com a mamã caimão
É de noite e o céu está limpo e as condições parecem favoráveis – talvez tenhamos sorte (sorte esta questionável, sei-o). Somos quatro, o da frente e o de trás remam guiando-nos lago adentro, enquanto os dos meios se encarregam de garantir que não nos afundamos retirando do fundo do barco a água que teima em entrar despercebida.
Fazemos silêncio à medida que nos aproximamos da ilha que paira no centro do lago. Seguimos ao seu redor, perscrutando lentamente as margens com a luz das lanternas até que o Joaquin, de sentidos cem vezes mais apurados que os nossos, ouve uns ruídos por detrás de nós, na margem do próprio lago – “Ali estão eles!”.
Abeirávamo-nos sorrateiramente no momento em que o Joaquin, de corpo inclinado na proa do barco e sem medo, enfia a mão dentro de água por entre as demais plantas aquáticas, uma e outra vez. Foi tão rápido! Um segundo depois encara-nos com um sorriso largo no rosto e dois caimões bebés nas mãos. Entusiasmado diz-nos “Foto, foto, foto! Tenemos que ser rápidos. Donde hay bebés, hay una madre!”.
Foi só o tempo de dois clicks. Logo iluminamos o lago e os vemos: dois olhinhos amarelos a vir na nossa direção! “Soltalos, soltalos!”, “Rema, João, rema” diz o Joaquin alarmado! Fugimos dali o mais rápido que pudemos, de risinhos nervosos e lanterna em punho controlando se deixámos a fera para trás. Ufa! Com os níveis de adrenalina no máximo, mas estamos a salvo!
Caminhadas pela selva amazónica
Repelente, capa da chuva, galochas, calças largas, mangas compridas, água e chapéu – os essenciais para uma caminhada pela selva amazónica da Colômbia. Listos. O Joaquin leva consigo também um machete – o item mais essencial de todos – e logo nos arranja um cajado a cada um… para nos apoiarmos ou para o que der e vier.
A selva é logo ali, atrás da casinha de madeira, alojamento de seis dias para nós, lar para o Joaquin, por si construído, com madeira do Perú e mãos colombianas. Os primeiros minutos na selva são desde logo e no mínimo assoberbantes. O Joaquin aponta-nos a ñejilla, aquela planta que por cima parece inofensiva, mas que, por baixo, está coberta de espinhos venenosos. Depois outra igualmente perigosa, uma árvore cheia de espinhos e ainda outra cuja seiva é tóxica. Bom, lição nº 1: não tocar em nada!
Porém, mostra-nos também que estamos numa verdadeira farmácia natural: folhas cujo sumo funciona como repelente, outras boas para curar queimaduras, seivas que funcionam como pontos para feridas mais graves, e tantos outros remédios de que já não me recordo. Recorda-os bem o Joaquin, nosso guia, que a cada passo nos diz, sem consulta, o nome e os benefícios ou malefícios de cada espécie com que nos cruzamos.
Alertados para os primeiros perigos, seguimos selva adentro e os charcos começam a aparecer. Ao início tentamos ir pelas bordas procurando não enterrar as galochas, mas passado algum tempo já só vamos em frente mesmo que com água pelos joelhos. Charcos estes escuros, lamacentos, que me dão medo só de cogitar o que lá de baixo se esconderá. Diz-nos o Joaquin que poderá haver anacondas e aí sim o meu coração acelera e os sentidos ficam em alerta máximo. Saltita por ali uma rã minúscula, aparentemente inocente, mas na realidade bastante tóxica. Formigas bem grandes e perigosas, aranhas mais ou menos venenosas, escorpiões e anacondas bebés, é todo um novo mundo para nós. O calor vai-nos abafando e a humidade vai-nos desgastando.
Foram 5 horas a vaguear pelos confins da selva amazónica, nesta primeira visita. Apercebo-me rapidamente de que talvez não sejam os confins mais profundos e ainda me dá mais arrepios imaginar o que andará por essa Amazónia adentro.
Fizemos uma longa caminhada diurna e uma muito curta caminhada noturna… aliás, o João fez duas destas porque a primeira foi demasiado breve devido ao pânico que inundou a Ana à segunda aranha que viu. Depois dessa, o José, irmão do Joaquin que nos guiou nesta atividade, deixou de as apontar… apesar de no final nos ter dito que tinha visto muitas mais e maiores!
A Ana dispensou então a segunda caminhada noturna e o João aproveitou para apreciar mais calmamente os demais insetos que ali moram.
7 de Agosto: a vida numa Comunidade Indígena da Amazónia colombiana
Estamos na pontinha sul da Colômbia, país que perdeu 54% do seu território ao longo dos últimos séculos para os seus vizinhos. Porém, aqui vive-se paredes meias e em paz com o Brasil e com o Perú. Voámos para Letícia, a única forma de chegar a esta cidade da Amazónia a partir da Colômbia.
Não foi aí, porém, que teve lugar esta aventura na selva mas sim na Comunidade Indígena 7 de Agosto, a 120 quilómetros de Letícia e 4 horas em barco sobre o Rio Amazonas. Se Letícia fica numa ponta desta linha amazónica colombiana, então a 7 de Agosto fica quase na outra, sendo a última comunidade antes de entrar em terras peruanas.
“Podem escassear infraestruturas e alguns recursos de saúde e de educação mas aqui não há pobreza, aliás aqui, com tudo o que a natureza nos dá, há muita riqueza” diz-nos o Joaquin que é o único na comunidade que traz alguns estrangeiros e é um agente ativo na melhoria das condições da aldeia.
Do lado de lá do rio, nas comunidades indígenas peruanas, as coisas são um pouco diferentes. Numa breve visita à Isla de Tigre, vemos uma escola decente e um pequeno posto médico onde nos dizem existir medicamentos e enfermeiros… coisa rara nas comunidades do lado colombiano. Também vemos muita madeira empilhada e serrim espalhado, provas de que a indústria madeireira é a principal atividade nas comunidades peruanas das margens do Rio Amazonas. E, tristemente, isso reflete-se na desflorestação que já se vê apenas observando dali a selva por detrás desta comunidade. Coisa que não sucede no lado colombiano, onde por cada árvore cortada são plantadas outras 10, diz-nos o Joaquin.
Durante os seis dias que vivemos com a Comunidade Indígena 7 de Agosto fomos conhecendo melhor estas diferenças assim como o modo de vida destas pessoas. Os adultos da 7 de Agosto receberam-nos abertamente, embora fossemos os únicos estrangeiros entre aquelas 4 centenas de pessoas. Mas foram os miúdos que mais nos encantaram, curiosos, de pés descalços corriam atrás de nós ora posando ousados ora se escondendo tímidos perante a máquina fotográfica. Quando não estávamos pela selva ou a pescar para o jantar, ficávamos por ali com eles a brincar ou a dar incontáveis mergulhos no Rio Amazonas. Momentos de gargalhadas cheias que jamais nos escaparão da memória!
Mergulhar no Rio Amazonas
Quase fim de tarde e saímos novamente de barco, desta vez para o meio do Rio Amazonas. Deleitamo-nos com o vento fresco que o andamento do barco a motor nos propicia à medida que percorremos o leito deste rio lendário. Paramos no centro, ladeados de água em tons de castanho, céu limpo e margens calmas.
Esperamos só, em silêncio e a gozar da tranquilidade deste lugar que ocupa o imaginário de muitos. Esperamos até a calmaria ser interrompida por uma espécie autóctone muito ímpar: são os golfinhos cor-de-rosa, o maior golfinho de água doce, fonte das lendas mais fantásticas do Rio Amazonas.
Vão aparecendo aqui e ali, uns mais ousados aproximam-se do nosso barco, outros mais recatados ficam ao longe, uns mais rosados – são os mais adultos, outros mais cinzentos – os mais jovens. Alguns realmente grandes e habilidosos nas suas danças! Um espetáculo inigualável que se tornou difícil de registar com as nossas lentes fotográficas tal a rapidez destes mamíferos.
Entretanto desafia-nos o Joaquin a um mergulho – o nosso primeiro mergulho no Rio Amazonas. Naturalmente que muitos outros se seguiram a este, depois de lavarmos o medo e o estigma de perigo que eventualmente teríamos. E como o primeiro não se esquece, este vai ficar gravado na nossa memória por aquele momento refrescante em que penetramos as águas do Rio Amazonas naquele fim de tarde de janeiro.
Contos de outros mundos entre a Colômbia e o Perú
Na manhã mais soalheira desta semana, saltámos para o barco a motor e com o José seguimos até à fronteira, lugar a Oeste onde acaba a Colômbia e começa o Perú. Livres, não passamos por qualquer controlo fronteiriço – tal como gostaríamos que fosse mundo fora. Atracámos no Perú junto a uma única casa e duas bandeiras que marcam essa linha imaginária. Aqui moram apenas dois idosos, o abuelo Francisco, peruano, e a abuela Lídia, colombiana. Recebem uma ajuda governamental para ali ficar a tomar conta, não sabemos bem de quê, mas pelo menos zelam pelo marco e pelas bandeiras que delimitam os seus países de origem. Completamente isolados, passam os seus dias a ver quem eventualmente passa rio acima e rio abaixo e a cultivar os seus próprios alimentos.
O abuelo Francisco aproveita os ouvidos atentos desta malta jovem e desfaz-se em contos e lendas que nos esforçamos por entender num espanhol de acento e palavras invulgares. Fala-nos de cidades inteiras que habitam no fundo do Rio Amazonas, de sereias apaixonadas por indígenas e de poções do amor que provêm de poços de formas fálicas. Lendas ou realidades não nos atrevemos a questionar. Limitamo-nos a apreciar a pureza, por um lado inocente, por outro tão sábia, com que estas pessoas vivem, em plena comunhão com a natureza.
Contos contados, chegou a hora de fazer o nosso próprio refresco. Agarramo-nos um de cada lado às canas-de-açúcar esmagando-as num artefacto artesanal de madeira que o próprio abuelo Francisco construiu. Bebemos o doce néctar de um trago, despedimo-nos dos anciãos e regressamos àquele que dá vida a estas pessoas: o Rio Amazonas.
Dormir na Colômbia, almoçar no Perú e dar um salto ao Brasil
É chamado de Triângulo Amazónico este território remoto que une as esquinas da Colômbia, do Perú e do Brasil. Em Letícia encontram-se os três países e aí vivem em plena harmonia. Se atravessarmos o Rio num qualquer barco disponível no porto de Letícia ou numa das muitas tours diárias que por aqui se vendem, num instante estamos no Perú.
Aparentemente não são assim tantas as diferenças: mesma língua, mesmas músicas, mesmos sorrisos. Almoçamos numa banquinha de rua em Caballococha e aprovamos a gastronomia peruana. Pagamos em Soles que, segundo nos dizem, é agora melhor do que os Pesos colombianos.
Nos últimos dias em Letícia, depois de espreitarmos o Museu Etnográfico, de nos refrescarmos com um gelado artesanal delicioso no Rossi e de procurarmos os papagaios no Parque dos Lloros, falta-nos dar um saltinho ao Brasil. Caminhamos a Carrera 6 toda e, de repente, já estamos em território brasileiro. Tienda muda para loja, a música em cada canto continua mas agora naqueles tons brasileiros que nos são mais familiares, a marca da cerveja já é outra, e está tudo bem. Nem o passaporte foi preciso! Já não estamos em Letícia mas sim em Tabatinga – terra nada bonita, há que mencionar. Vamos só comer um churrasquinho com feijão preto e farofa ao restaurante típico brasileiro Bela Época, ouvir um pouco desse nosso idioma e regressar à Colômbia. Valeu pelo almoço e pela experiência ímpar de ir a pé e sem passaporte até ao Brasil e voltar.
As nossas dicas para visitar a Amazónia colombiana:
- A única forma de chegar a Letícia a partir de outras cidades da Colômbia é de avião. Há várias companhias aéreas locais que voam para lá como a Viva Air, a Avianca ou a Latam. Dica: experimenta pesquisar os voos de madrugada que talvez encontres preços mais baixos;
- Recomendamos a Coya Amazonas Tours do Joaquin para uma aventura bem autêntica na Comunidade Indígena 7 de Agosto na Amazónia colombiana. Nós estivemos lá 6 dias mas as experiências são personalizáveis, por isso podes ficar menos ou mais tempo, consoante a tua disponibilidade e vontade. Podes contactá-lo por Facebook ou pelo Whatsapp +57 322 4834932;
- Para alojamento em Letícia, recomendamos também que contactes o Joaquin e fiques no alojamento dele, uma casa bem familiar, simples e económica;
- Talvez Puerto Nariño, uma vila a 87km de Letícia, mereça uma visita de um dia ou até servir de base para quem quer uma experiência um pouco menos imersiva;
- Sendo este um local tão remoto, já é expectável que a rede móvel e a internet sejam realmente escassas. A rede Tigo não funciona de todo em Letícia mas funciona razoavelmente na Comunidade 7 de Agosto. Já a rede Claro funciona razoavelmente em Letícia mas não na 7 de Agosto;
- A eletricidade é também limitada nas comunidades indígenas. Na Comunidade Indígena 7 de Agosto, por exemplo, existia um gerador que permitia rede elétrica entre as 10 da manhã e a 1 da tarde e entre as 5 da tarde e as 9 da noite;
- Não tivemos oportunidade de fazer esta visita mas ficamos curiosos com a Reserva Victoria Regia, a 15 minutos de Letícia;
- Para chegar a Caballococha é preciso comprar os bilhetes de barco com antecedência (no dia anterior) uma vez que os barcos enchem;
- Não esquecer de levar para esta zona da Colômbia: repelente, chapéu, poncho da chuva, lanterna, calças largas e camisolas de mangas compridas largas;
- Não percas os artesanais Gelados Rossi em Letícia!
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